29 de dezembro de 2009

Noites de anfíbios

As últimas noites, muito húmidas e com temperaturas superiores a 10 graus, proporcionaram excelentes condições para encontros imediatos com anfíbios. Muitas estradas do Alentejo, se percorridas vagarosamente e com cuidado para evitar atropelar estas pequenas criaturas, permitem-nos ter consciência da elevada biodiversidade existente nesta região.

Numa única noite chuvosa, na estrada que atravessa a Herdade da Mitra da Universidade e que, mais à frente, liga as aldeias de Valverde a Guadalupe, por entre montados de azinho e próxima de linhas de água, foi possível observar cinco espécies, sendo particularmente numerosas as salamandras e os sapos-corredores.

Salamandra-de-pintas-amarelas Salamandra salamandra


Sapo-corredor Bufo calamita


Sapo-corredor Bufo calamita


Rela-meridional Hyla meridionalis

Numa outra estrada, entre Torre de Coelheiros e S. Manços, ladeada por searas e pastagens, o número de indivíduos observados foi bastante inferior e faltando a salamandra-de-pintas-amarelas e a rela-meridional. Em compensação, diversas rãs-verdes saltitaram à frente dos faróis do automóvel. Neste local de solos mais arenosos, os sapos-de-unha-negra também marcaram presença.

Rã-verde Rana perezi


Sapo-de-unha-negra Pelobates cultripes

Em ambas as estradas foi observada a rã-de-focinho-pontiagudo. Trata-se de uma espécie endémica da metade oeste da Península Ibérica, cujas principais ameaças estão associadas à degradação do habitat e à predação de ovos e girinos pelo exótico lagostim-vermelho do Louisiana.

Rã-de-focinho-pontiagudo Discoglossus galganoi


Para a maioria destas espécies, as zonas encharcadas dos campos agícolas constituem importantes áreas de reprodução. Esses charcos temporários são utilizados para as posturas e para o desenvolvimento dos girinos, sendo importante a sua preservação evitando-se a drenagem, o atravessamento por maquinaria agrícola ou a pulverização com fitofármacos. Os herbicidas com glifosato, associados à sementeira directa, são particularmente nefastos para a fauna aquática, incluindo os girinos.

Será bom que os agricultores passem a considerar como micro-reservas para anfíbios as “poças de água” que se formam nos mesmos locais ano após ano. Sabendo de antemão que não vale a pena semear ou pulverizar essas pequenas áreas onde as culturas morrem por asfixia radicular com as primeiras chuvas, podem assumir voluntariamente esse contributo para a preservação da biodiversidade na sua exploração, sem qualquer custo económico.

30 de novembro de 2009

Feira do Montado



Estive este sábado na Feira do Montado, em Portel. Em primeiro lugar uma nota positiva pelo nome do evento, que já vai na décima edição. Em vez de Feira de Portel ou ExpoPortel, chama a atenção não para a localidade mas sim para o vasto ecossistema onde se insere, conferindo-lhe o destaque mais que merecido.

Para além de saborear os sabores regionais e adquirir queijos e doçaria directamente aos produtores, conversando um pouco com eles, há sempre oportunidade para assistir a um colóquio relacionado com temática do evento. Para esta tarde, estava agendada a mesa-redonda «Do sobreiro à cortiça – Biodiversidade – Tradição e Inovação». Sem saber muito bem o que esperar, talvez um pouco mais de conversa sobre o declínio do montado ou as crescentes dificuldades económicas do sector, veio a revelar-se o mais interessante colóquio a que assisti nos últimos tempos. Três jovens oradores, com entusiasmo e discurso cativante, demonstraram o que se faz e pode vir ainda a ser melhorado na valorização da cortiça e do montado.

O Dr. Nuno Oliveira, fundador e director da empresa AmBioDiv – Valor Natural, traçou um quadro muito completo sobre a multifuncionalidade do montado, destacando os valores naturais, desde as orquídeas às aves, muitas vezes subvalorizados mas com enorme potencialidade no domínio do business & biodiversity. É fundamental que os subericultores e agricultores em geral procurem conhecer e compreender o sistema na sua globalidade e saibam valorizar o riquíssimo património silvestre que existe nas suas explorações.

Seguiu-se a intervenção do Eng. Pedro Borges Ferreira, centrada na petição disponível aqui, "Vinho com Informação é Opção". É uma ideia simples, muitas vezes falada mas sempre aguardando que “alguém”, normalmente do Governo ou da Assembleia da República tome a iniciativa. Neste caso foi Pedro Borges a dar o primeiro passo: criar uma petição para que passe a ser indicado na cápsula ou rotulagem das garrafas de vinho o tipo de vedante utilizado. Todos nós quando compramos uma garrafa, não sabemos se debaixo da cápsula se esconde uma genuína rolha de cortiça, cuja comercialização viabiliza economicamente a manutenção dos montados de sobro, ou um pedaço de material sintético sem qualquer valência ambiental e não biodegradável. Esperamos que em breve a nossa opção no supermercado ou loja da especialidade não se restrinja apenas a preferências por determinada adega ou casta, mas que os produtores sejam recompensados por investirem na rolhagem com cortiça num mercado cada vez mais esclarecido e exigente.

Para terminar este painel, a Dra. Sandra Correia relatou-nos o facto de há uns anos ter na fábrica da família uma grande quantidade de cortiça de primeira qualidade com dificuldade de escoamento. Surgiu então a ideia de criar um guarda-chuva com essa matéria, nascendo assim a primeira peça em pele de cortiça. Com apenas 9 anos de existência, a empresa Pelcor tem já disponível uma enorme variedade de produtos com elevado valor acrescentado e crescente mercado para exportação. É sem dúvida um excelente exemplo da necessidade de inovação e criatividade, quando tanto se fala em perda de competitividade da nossa indústria.

Após um enriquecedor debate com o público, decorreu a  atribuição do prémio Corticeira Amorim 2009 à Herdade da Machoqueira do Grou, tendo sido feito pelo administrador da Corticeira Amorim um longo retrato da exploração, destacando-se a gestão dos matos por corte com correntes em detrimento de gradagens, da manutenção da vegetação espontânea ao longo das linhas de água e da restrição de acesso do gado a charcas com maior valor ambiental, como exemplos da integração de boas práticas ambientais na actividade económica.

Entre a assistência, dominou a presença dos membros da Confraria do Sobreiro e da Cortiça, que estão de parabéns por terem proporcionado uma excelente tarde de reflexão e de esperança para o futuro do montado na região.

27 de novembro de 2009


Primeiro mês de vida de um juvenil de
Águia-caçadeira (Aguilucho cenizo em castelhano)

A AMUS – Acción por el Mundo salvaje – é uma organização não governamental da Extremadura que, entre diversas intervenções, participa anualmente no salvamento de ninhos de Águia-caçadeira.

Em colaboração com a Dirección General de Medio Ambiente, ovos ou juvenis recolhidos em áreas de cultivo durante as campanhas de ceifa e cuja probabilidade de sobrevivência no campo é muito baixa, são transportados para um centro de recuperação em Villafranca de los Barros. Aí procede-se à incubação dos ovos e criação das jovens aves até alcançarem a capacidade de voo.
É um trabalho altamente especializado e exigente, de forma a garantir várias vezes ao dia e durante várias semanas, a alimentação correcta desses juvenis .
Para reduzir o contacto com as pessoas e evitar que as aves associem a figura humana ao alimento, por vezes são utilizados adultos irrecuperáveis (cegos, com fracturas mal consolidadas ou com falta de membros) como auxiliares na criação dos juvenis.

Graças à dedicação dos seus dirigentes, técnicos e voluntários, anualmente dezenas de jovens águias-caçadeiras são libertadas no final da época de reprodução, contribuindo para o facto de a Extremadura ser uma das regiões europeias com maior número de casais reprodutores, cerca de 1000 a 1100.

18 de novembro de 2009

A importância de um bom professor

Realizei hoje uma sessão e amanhã terei outra junto de professores do 1º ciclo do concelho de Évora, para apresentação do projecto “À descoberta da Águia-caçadeira”. Foi particularmente gratificante o interesse demonstrado pela maioria e a vontade de vários (ou melhor de várias, dado que na maioria eram senhoras) em também integrar este projecto nas actividades lectivas.

Foi sincero o desabafo de cada vez mais ser exigido aos docentes do 1º ciclo profundos conhecimentos em várias áreas, não sendo à partida fácil implementar uma temática com elevada exigência científica, quase própria de um especialista na área da biologia. Isto fez-me sentir quão importante é a tarefa daqueles que durante 4 anos orientam as primeiras aprendizagens de uma criança e sobretudo da necessidade de planificar os trabalhos de forma a serem facilmente compreensíveis pelos não especialistas mas mantendo o rigor científico.

Um dos maiores desafios será a intercomunicabilidade entre a Escola e a Comunidade, se possível trazendo agricultores à sala de aula e levando os alunos ao campo, confrontado perspectivas sobre biodiversidade e agricultura. Veremos se tudo não é utopia mas sim algo facilmente exequível.


Caberá a cada professor definir dinâmicas de trabalho e estratégias perante os seus alunos, para que o resultado final tenha qualidade e evidenciando tudo o que de melhor existe em cada um deles: capacidade de escrever uma história sobre as águias-caçadeiras, talento para desenhar ou para interpretar uma dramatização. Certamente surgirão agradáveis surpresas, cuja difusão constituirá incentivo para projectos similares.



É essencial o estabelecimento de uma dinâmica de partilha de ideias e de conteúdos, para que logo de muito novos, os alunos aprendam a pesquisar informação, seleccionar o que é mais relevante e divulgar junto da comunidade os resultados alcançados. Para os orientar, terão certamente bons professores, com vontade de aprender e de ensinar.


17 de novembro de 2009

Migração


Neste momento as “nossas” águias-caçadeiras estão algures em África. Mas onde?

Até há alguns anos, o conhecimento das rotas migratórias ou dos locais de invernada dependia quase unicamente da anilhagem de dezenas ou centenas de indivíduos, da possibilidade que alguns deles fossem recapturados ou encontrados mortos algures e confiando que alguém enviaria a informação do número da anilha para a central de anilhagem de origem.
Ainda que se mantenha a utilização de anilhas metálicas e coloridas, hoje a tecnologia proporciona um excelente meio de obtenção de dados: emissores de satélite ou PTT (Platform Transmitter Terminals).

Para evitar sobrecarga na ave e perturbação na capacidade de voo, adulterando a validade da informação recolhida, o peso dos emissores não deve ultrapassar os 4- 5% do peso total do indivíduo. Os primeiros emissores para aves, em 1991, pesavam 95g pelo que apenas eram suportados por espécies de grande porte.
Graças à crescente miniaturização deste tipo de equipamento, actualmente estão disponíveis emissores suficientemente leves - 9,5g - para serem colocados em águias-caçadeiras (exemplo).

Em 2005 foi iniciado o seguimento por satélite de indivíduos nidificantes na Holanda e em 2006 em Espanha. Desde então tem vindo a ser recolhida informação muito relevante sobre movimentos pré-migratórios, rotas através do Mar Mediterrâneo e deserto do Saara e preferência por locais de invernada.
Qualquer um de nós pode aceder a esses dados aqui (infelizmente a versão em inglês tem problemas de configuração) ou aqui. É sem dúvida notável o caso de dois machos marcados nas proximidades de Castellón (Espanha), o Baron Rojo e o Hauteclaire. O emissor colocado no primeiro funcionou durante 1154 dias e o colocado em Hauteclaire transmite há 1265 dias, o que representa o seguimento continuado durante mais de 3 anos.

Como nota complementar, aqui temos o seguimento da tartaruga-comum Caretta caretta e das duas tartarugas-verdes Chelonia mydas que foram libertadas ao largo do Algarve em 30 de Setembro.

16 de novembro de 2009

Distribuição


A Águia-caçadeira é uma espécie nidificante em grande parte da Europa e zonas estepárias do sudoeste asiático, onde está presente a partir de Março até Setembro. Nos restantes meses, as principais áreas de invernada localizam-se na África subsaariana e oriental, bem como no subcontinente indiano.
As populações são totalmente migratórias, sem sobreposição entre as áreas de reprodução e as de invernada.

Para a nidificação e alimentação, necessita de habitats abertos: estepes naturais, pseudo-estepes cerealíferas, pastagens, matos baixos, zonas húmidas dominadas por vegetação herbácea e plantações florestais recentes.
Nas áreas de invernada em África ocorre sobretudo em zonas de savana e planícies fluviais, o que explica a sua ausência nas regiões ocupadas por floresta tropical da África ocidental ou nos desertos do Saara e da Namíbia.

11 de novembro de 2009

Identificação no campo

Estando neste momento a serem efectuados os contactos com os professores das diversas escolas que vão participar no projecto “À descoberta da Águia-caçadeira”, é fundamental disponibilizar informação geral sobre a espécie, começando pelas características que permitem a sua identificação no campo.

Nome vulgar: Águia-caçadeira, Tartaranhão-caçador

Nome científico: Circus pygargus

Família: Accipitridae. Inclui as águias, bútios, milhafres, abutres e gaviões, num total de 32 espécies na Europa.
Na maioria dessas espécies, os machos e fêmeas apresentam plumagens idênticas. Contudo, no género Circus o dimorfismo sexual é bastante evidente, sendo muito fácil a distinção no campo mesmo pelos observadores menos experientes.




Macho adulto
©javiermilla.es

Predomina a tonalidade cinzenta-azulada na cabeça, peito e partes superiores. Pontas das asas pretas, com uma banda preta na face superior e duas na face inferior das penas secundárias. O abdómen tem riscas castanhas escuras, visíveis a distância próxima do observador.




Fêmea adulta
©javiermilla.es

Partes superiores castanhas, com mancha branca na zona supracaudal. Partes inferiores brancas-amareladas, riscadas de castanho.





Juvenil com cerca de mês e meio de idade
©João Claro

Os juvenis nos primeiros meses assemelham-se às fêmeas adultas, mas sendo mais escuros no dorso e castanho-avermelhados sem riscas na zona peitoral e ventral.
Os machos com um e dois anos de idade apresentam plumagens de transição, numa mistura entre penas escuras e penas mais claras.

7 de novembro de 2009

Bom tempo para o fim-de-semana


Fonte: Instituto de Meteorologia

Certamente nos recordamos das “meninas da meteorologia” a quem a SIC, nos anos 90, decidiu entregar a apresentação do boletim meteorológico. Mesmo em períodos de seca grave e prolongada, anunciavam sorridentes a continuação de bom tempo, dirigido sobretudo para a população lisboeta em vésperas de mais um fim-de-semana no Algarve, mas que gerava irritação nos agricultores e nas populações rurais com escassez de água.

O passado mês de Outubro proporcionou alguns excelentes dias de praia, mas muito preocupantes para quem necessitou de precipitação significativa, necessária à instalação de culturas de Outono/Inverno ou para reduzir os suplementos de feno e rações para o gado em regime extensivo. O boletim climatológico mensal do Instituto de Meteorologia informa que foi o mais quente dos últimos 14 anos. Ocorreram vários dias com temperatura superior a 25ºC em muitas estações meteorológicas de quase todo o País, verificando-se também dias com temperatura superiores a 30ºC em muitos locais do Centro e Sul.

A quantidade de precipitação ocorrida neste mês, em Portugal Continental, foi próxima do valor médio 1971-2000, mais elevada no Norte e Centro mas continuando no entanto todo o território do Continente em situação de seca: 40% em seca fraca, 44% em seca moderada e 16% em seca severa.

Em Évora, a precipitação total mensal foi metade da média em 1971-2000 e em 31 de Outubro os valores em percentagem de água no solo, em relação à capacidade de água utilizável pelas plantas, eram inferiores a 30% em quase todo o Alentejo. Não existindo previsão de vários dias com precipitação para a próxima quinzena, tal significa que dificilmente neste mês de Novembro ocorra reposição de água subterrânea ou escorrência para as linhas de água, para além do risco de perda das culturas semeadas no final do mês anterior.

31 de outubro de 2009

Fotografias


O fotógrafo e designer espanhol Javier Milla autorizou a utilização neste blogue das suas belíssimas fotografias de Águia-caçadeira.
Para além do agradecimento, fica o convite para visitar a sua página http://www.javiermilla.es/, que também inclui uma detalhada descrição de metodologia para fotografar aves silvestres.

Alguns nomes comuns europeus



Ao se realizar pesquisa de informação ou de fotografias na Internet, para além do nome científico Circus pygargus, com carácter universal, é sempre favorável conhecer o seu nome vulgar em algumas línguas europeias.

29 de outubro de 2009

Uma questão de nome


Águia-caçadeira? Tartaranhão-caçador?

O nosso nome permite distinguir-nos entre os restantes indivíduos da sociedade, conferindo um carácter identitário em princípio único.
O nome comum da maioria das aves não costuma gerar risco de confusão ou de dúvida na generalidade dos países europeus, principalmente naqueles com maior tradição de literatura sobre a natureza, quer por meio de contos infantis quer através de publicações de grande difusão. Em Portugal, em consequência da baixa literacia da generalidade da população e da escassez de publicações sobre vida silvestre até anos muito recentes, o conhecimento do nome vernáculo de animais e plantas esteve quase sempre circunscrito à transmissão oral, podendo variar bastante entre regiões para uma mesma espécie ou atribuindo-se o mesmo nome a diversas espécies.

Ao conversar com pastores ou agricultores, verifica-se que para algumas espécies a identificação é fácil, em especial as cinegéticas ou aves como Abetarda, o Sisão ou a Cegonha-branca. Porém, para as aves de rapina subsiste ainda alguma confusão na designação das diferentes espécies ou mesmo na sua correcta identificação.
Num questionário realizado em 2005 junto de agricultores do Alentejo, pediu-se para indicarem o nome pelo qual conheciam a espécie Circus pygargus, tendo surgido vinte e oito diferentes respostas, sendo as mais frequentes: águia caçadeira, tartaranhão caçador, peneireiro, gavião, águia, águia caçadora e milhafre.

Quando, há quase 30 anos comecei a observar aves (e não existam guias de identificação em português), adoptei o nome comum Águia-caçadeira por ser aquele que era utilizado no Alentejo. Mais tarde, em comunicações e artigos passei a empregar a denominação Tartaranhão-caçador por ser a que constava na sistematização adoptada por Sacarrão & Soares (1979) Nomes Portugueses para as Aves da Europa, trabalho este de referência a nível nacional, mas também por ser tecnicamente mais correcta porque as aves do género Circus estão filogeneticamente afastadas das verdadeiras águias.
Durante o trabalho de campo para a dissertação de mestrado, iniciado em 1997, eu era conhecido como o “homem das águias” e não como o “homem dos tartaranhões” e a palavra tartaranhão é mais difícil de utilizar em vez de águia numa conversa fluente com um operador da ceifeira-debulhadora para evitar a destruição de ninhos. Assim, quase sempre no terreno servia-me do nome Águia-caçadeira.
Com a publicação de Nomes Portugueses das Aves do Paleártico Ocidental por Hélder Costa e outros em 2000, é proposta a denominação Águia-caçadeira como a mais correcta.
Nos últimos anos, ambos os nomes comuns surgem em publicações oficiais, trabalhos académicos ou relatórios de avaliação de impacte ambiental. Mas caminha-se para alguma uniformização e sou da opinião que deve prevalecer o nome pelo qual é mais reconhecida no Alentejo, onde se concentra a maioria da população reprodutora em território nacional.
Fica assim explicado o título deste blogue.

24 de outubro de 2009

Primeiras chuvas

Seara de aveia em fase de emergência

Após um início de Outubro quente e seco, as primeiras chuvas permitiram iniciar a sementeira das culturas cerealíferas de Outono/Inverno. Mas este ano agrícola continuará a ser uma incógnita quanto ao futuro para os cereais de sequeiro no Alentejo e no resto do país.
Segundo as associações de agricultores, em 2008 os custos médios de produção por hectare de seara de trigo eram de 695€. Com preços de comercialização a 200€ a tonelada, era suficiente uma produtividade de 3,5 toneladas por hectare para a cultura ser economicamente viável, mas com a descida para 130€ seriam necessárias produtividades de 4,6 toneladas, algo apenas possível nos melhores solos e em condições meteorológicas muito favoráveis.
As previsões do INE de Julho deste ano, apontavam para diminuição de produção, face ao ano anterior, de 40% no trigo mole e 35% na aveia, decorrente de elevada precipitação que determinou a diminuição da área semeada, seguida de uma Primavera pouco pluviosa durante as fases de floração e de formação do grão, levando muitos produtores a fenarem ou a pastorear directamente as searas – o que foi desfavorável para a águia-caçadeira, por estas actividades coincidirem com o início do período de reprodução.
São vez mais frequentes os agricultores a declarar que produzir cereais de sequeiro significa perder dinheiro e que apenas o fazem porque têm gado.
A estagnação dos preços de comercialização, a previsão de subida dos produtos petrolíferos, as incertezas relacionadas com alterações climáticas e a opinião desfavorável dos dirigentes do Ministério da Agricultura para com o sector dos cereais, associada à não concretização de políticas de conservação da vida silvestre em meio agrícola, em nada concorrem para uma estabilização das áreas a semear com cereais neste Outono, comparativamente com os anos anteriores.

19 de outubro de 2009

Projecto "À descoberta da Águia-caçadeira"


Desde há muito que defendo uma maior interacção entre as escolas e a comunidade. Finalmente, tenho oportunidade para desenvolver um projecto no domínio da Educação Ambiental centrado na divulgação da águia-caçadeira junto de alunos e professores, assim como de agricultores e da sociedade em geral, com início no presente ano lectivo de 2009/2010.
A partir da Escola Secundária André de Gouveia, em Évora, onde sou professor, será coordenada a pesquisa sobre esta ave e a produção de conteúdos que promovam:


a) O desenvolvimento de atitudes de cidadania na análise de problemas locais e na participação activa para a sua resolução;

b) A melhoria significativa na ligação dos conteúdos curriculares no domínio do Estudo do Meio e das Ciências Físico Naturais com casos concretos de conservação de espécies silvestres autóctones e de gestão de habitats;

c) A planificação e concretização de trabalhos de projecto, visando o aperfeiçoamento por parte dos alunos na selecção de informação, sua análise e comunicação de resultados.

Sobretudo, propõe-se que os trabalhos produzidos pelos alunos e professores não fiquem “escondidos” na sala de aula ou no interior do espaço da escola mas que os jovens desenvolvam competências em Tecnologias de Informação e Comunicação que facilitem a partilha de conteúdos através da internet.
Com um âmbito geográfico preferencialmente dirigido aos concelhos de Évora e de Castro Verde, escolas com ensino básico de outros concelhos do Alentejo estão igualmente convidadas a participar.

15 de outubro de 2009

O ninho da águia



Depois, resolutamente, dirigi-me à azinheira. Lá estava o ninho, era enorme e construído sobre três pernadas robustas – Como sobre os três dentes de uma forquilha. Eu nunca vira coisa igual, a falar sinceramente. Tinha o feitio oval de um berço e ficava tão alto, tão alto que fazia vertigens. Era preciso subir até lá. Atirei a laçada à primeira bifurcação do tronco, icei-me.”


O ninho da águia (1881)
Contos – Fialho de Almeida


Tal como o escritor Fialho de Almeida, geralmente associamos os ninhos das águias a altas e frondosas árvores ou a escarpadas falésias. Mas a águia-caçadeira constrói sempre o ninho no solo, dissimulado entre vegetação herbácea ou arbustiva.
Ao seleccionar espaços pouco ou nada arborizados para a reprodução e alimentação, diminui a competição com outras aves de presa. Mas se esses locais são simultaneamente utilizados para a agricultura, os ninhos ficam susceptíveis de destruição durante o corte dos fenos ou a ceifa dos cereais.
É neste delicado equilíbrio entre a preservação de uma espécie silvestre e a manutenção de determinadas práticas agrícolas que devemos encontrar uma conciliação.

Ainda que não sejam conhecidos registos que permitam determinar a dinâmica populacional ao longo do último século, em particular no Alentejo, certamente que a sua abundância está correlacionada com a dimensão das áreas semeadas com cereais em sistema de rotação, alternado com pousios.
Profundas alterações nos agro-sistemas, através da conversão de extensas áreas de sequeiro em regadio ou olival intensivo, produzirão certamente consequências na população de águia-caçadeira que importa avaliar.

30 de setembro de 2009

Cerimónia de inauguração

Está criado um espaço para partilha de opiniões sobre a sobrevivência da águia-caçadeira em espaços agrícolas, sobretudo no Alentejo.

Mas certamente serão abordados temas complementares no domínio das opções para o mundo rural, das medidas agro-ambientais e da perspectiva dos agricultores e da sociedade em geral sobre a gestão de espécies e de habitats dentro e fora das áreas classificadas.
Numa primeira etapa serão apresentadas informações básicas sobre esta ave e, gradualmente, explorados diversos aspectos da sua ecologia, com particular relevância para o impacte das actividades agrícolas no sucesso reprodutor.