9 de maio de 2010

O actual declínio dos cereais de Outono-Inverno


No Diário de Noticias do dia 4 de Abril, com o título “Cultivo de cereais caiu 65% nos últimos cinco anos” é referido o facto da área cultivada ser a mais baixa dos últimos anos, em virtude de os agricultores abandonarem as culturas cerealíferas face à falta de incentivos e de rentabilidade.
O presidente da Associação de Agricultores do Concelho de Serpa, Sebastião Rodrigues, aponta o exemplo da zona dos barros de Beja - "onde se encontram das melhores terras do País" - para ilustrar a forma como a produção de trigo tem vindo a ser abandonada em Portugal: "Onde durante toda a vida se viram grandes searas, encontramos agora novos olivais."

A história da agricultura em Portugal desde o final do século XIX mostra que o cultivo de cereais sofreu ciclos de expansão e de contracção conforme determinações políticas. No artigo da geógrafa Denise de Brum Ferreira, estão graficamente representadas as campanhas de 1889-1914 (Lei dos Cereais), 1929-1937 (Campanha do Trigo) e 1975-1979 (Reforma Agrária), em paralelo com variações demográficas, formação/destruição de montado e vulnerabilidade do solo à erosão.

A Lei dos Cereais, de 1889 e reforçada em 1899, descrita no trabalho de Jaime Reis, institui a garantia da compra da produção aos agricultores pelo Estado a preço fixo. As importações só seriam autorizadas após a aquisição da totalidade da produção nacional – nascia assim o proteccionismo político das culturas cerealíferas. Porém, Jaime Reis explica que preços especulativos no arrendamento das terras e custos com adubos, maquinaria e mão-de-obra determinaram fracos rendimentos dos produtores de trigo, ficando os lucros na posse de moageiros e padeiros, com a população portuguesa a acabar por comer o pão mais caro da Europa.
É nesta altura que surge a convicção que o Alentejo é o "celeiro do país", esquecendo o facto de já nas cortes de Coimbra-Évora de 1472-73 terem sido relatadas as fracas aptidões das terras para o aumento da área cultivada com cereais. A insuficiente produção de trigo em Portugal foi uma das razões para a odisseia dos descobrimentos além-mar.

Em 1916, é publicado o livro de António de Oliveira Salazar, A questão cerealífera. O trigo, onde este afirma "de modo que o nosso Portugal se encontra cultivando o trigo (...) quando melhor conviriam outras culturas às condições do meio. É um desvio cultural histórico (...)". O país teria sim "uma reconhecida aptidão para as culturas hortícolas e pomícolas.", considerando que a lei de 1889 fizera aumentar a área cultiva com trigo no Alentejo, sem que o sector se tivesse emancipado da necessidade de protecção.
Nas palavras de Pedro Lains, «essa alteração da "fórmula da agricultura portuguesa", não era para Salazar de realização imediata, dada a ausência de alguns dos requisitos mínimos para a sua concretização, nomeadamente, a pequena densidade de população no Sul do país, a falta de instrução dos agricultores, a alta das rendas e a falta de capital». Como esta descrição nos parece contemporânea...

Em 1929, o governo liderado pelo Marechal Carmona e com Salazar no cargo de Ministro das Finanças, promove a Campanha do Trigo com o objectivo de alcançar a auto-suficiência nacional deste cereal.
É um notável exemplo de contradição entre a decisão política e a opinião técnica.


Nessa época são arroteados milhares de hectares com pouca ou nenhuma aptidão cerealífera (estima-se em 2.472.000 ha a área de arvenses no período de 1930-1940), mas agravando problemas de erosão sem um correspondente aumento sustentado da produção. Apenas em 1932 a produção de trigo foi elevada, até excedentária, em virtude de condições meteorológicas particularmente favoráveis. Esta campanha termina na prática em 1937, com os solos esgotados e consequente diminuição da área cultivada. Ainda hoje, extensas áreas de terreno fortemente erosionado na margem esquerda do Guadiana ou nas serras algarvias e do litoral alentejano, revestidas quase unicamente por rochas e estevas, são um testemunho dos erros cometidos.

Durante a Reforma Agrária, a partir de 1975 ocorre uma curta expansão da área cultivada, seguida de nova redução.
Em 1986, quando da integração de Portugal na então CEE, a área cultivada com cereais tinha um valor muito próximo de há 100 anos, cerca de um milhão e trezentos mil hectares. Desde então, a área de culturas arvenses tem decrescido constantemente. Com o desligamento das ajudas directas à superfície, a partir de 2005, foi ainda mais significativo o desinteresse dos agricultores.

Superfície cultivada com cereais em Portugal (dados do INE)

Nos dias 21 e 22 de Abril, no Instituto Nacional de Investigação Agrária, em Elvas, decorreu o seminário «Rega de Cereais Praganosos – Os Cereais Regados na Área de Influência de Alqueva». Novamente foi levantada a questão da insuficiência na produção nacional de cereais, em particular do trigo - 80% da matéria-prima para a panificação é importada - e equacionados os incentivos para a sua produção em regadio. Esta apenas será economicamente viável caso a água seja fornecida abaixo do preço real (em violação ao disposto na Directiva Quadro da Água) e exista apoio financeiro para a instalação dos equipamentos de rega, por falta de capital dos agricultores, bem como para formação.

Espera-se que, antes de surgir uma nova campanha regional, se estude a história do cultivo de cereais, evitando repetir erros do passado e optando por técnicas culturais conservativas do solo, se ponderem as vantagens e os custos económicos, sociais e ambientais, não esquecendo a importância dos sistemas cerealíferos para a conservação das aves estepárias.

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